A ideia de imortalidade da alma é frequentemente entendida, hoje, a partir da influência da filosofia grega, especialmente do platonismo, que ensina que a alma é uma substância eterna, separada e independente do corpo. Essa concepção, no entanto, contrasta diretamente com a visão bíblica e com as crenças predominantes dentro do judaísmo do período do Segundo Templo, especialmente entre os fariseus.
Antes de afirmar se os fariseus criam ou não na imortalidade da alma, é preciso entender o que essa "imortalidade" significava para eles, e o quanto esse conceito pode ou não se aproximar do entendimento grego. O estudo das crenças farisaicas sobre a alma e o pós-morte exige uma análise cuidadosa, principalmente ao se utilizar fontes como Flávio Josefo, que escreveu para um público romano e helenizado, e por isso, muitas vezes adaptou sua linguagem para facilitar a compreensão de seus leitores, ainda que isso possa ter gerado confusões sobre as crenças judaicas.
Josefo, nas obras Antiguidades Judaicas e Guerra dos Judeus, oferece informações valiosas sobre as seitas judaicas de seu tempo. Na obra Antiguidades Judaicas, ele afirma sobre os fariseus:
“creem que as almas possuem uma força imortal e que debaixo da terra haverá recompensas ou castigos segundo o comportamento de cada um durante a vida, enviando os bons para uma nova vida e os maus para punições eternas” (Antiguidades Judaicas, Livro XVIII, capítulo 1, parágrafo 3 – tradução da edição: Flávio Josefo. Obras Completas. Tradução de Vicente Pedroso. São Paulo, CPAD, 1999).
Já em sua obra anterior, Guerra dos Judeus, Josefo apresenta uma descrição semelhante:
“os fariseus dizem que as almas são imortais, e que sob a terra haverá castigos e recompensas, segundo se tiverem vivido virtuosamente ou em vícios” (Guerra dos Judeus, Livro II, capítulo 8, parágrafo 14 – na mesma tradução de Vicente Pedroso).
Esses trechos parecem indicar que os fariseus criam numa alma imortal e em recompensas após a morte, mas é preciso analisar com atenção a forma como Josefo está relatando esses fatos.
Primeiro, é importante considerar que Josefo escreve para leitores gregos e romanos, por isso utiliza uma linguagem moldada ao pensamento grego. Termos como “alma imortal” não podem ser interpretados diretamente como uma aceitação do conceito platônico. No platonismo, a alma é um princípio eterno e divino, aprisionado num corpo corruptível, e a morte seria uma libertação. Já no pensamento judaico, especialmente entre os fariseus, a esperança maior não era uma alma flutuando eternamente num mundo espiritual, mas sim a restauração completa do ser humano por meio da ressurreição.
A crença na ressurreição dos mortos, presente em textos como Daniel 12:2 e reforçada em várias tradições judaicas apocalípticas, era central para os fariseus. Eles criam que o ETERNO, no tempo determinado, traria de volta à vida aqueles que morreram, unindo novamente corpo e espírito, agora transformados.
O contraste com os saduceus reforça ainda mais essa posição. Atos 23:8 relata que os saduceus não criam "nem em ressurreição, nem em anjos, nem em espírito", o que é confirmado também por Josefo:
“Os saduceus não admitem senão o que está escrito na lei; rejeitam tudo o que se refere à tradição. Dizem que as almas se extinguem juntamente com os corpos” (Antiguidades Judaicas, Livro XVIII, capítulo 1, parágrafo 4).
Isso mostra que o ponto de discórdia entre fariseus e saduceus não era tanto sobre a imortalidade da alma em sentido grego, mas sobre a própria crença na continuidade da vida após a morte, com ênfase na ressurreição.
Os essênios, outro grupo mencionado por Josefo, apresentavam uma teologia mais próxima de um dualismo, com ideias que podem ter sofrido influência do pensamento persa. Josefo relata que sobre os essênios: “As almas saem do corpo como de uma prisão, cheias de alegria, e elevam-se ao alto, como se libertas de longas cadeias. As más, porém, são lançadas nas regiões tenebrosas.” (Guerra dos Judeus, Livro II, capítulo 8, parágrafo 11). Essa linguagem é claramente influenciada por conceitos de separação entre corpo e alma, que não são característicos da tradição hebraica, o que indica que o grupo pode ter incorporado elementos estrangeiros.
Diante disso, podemos entender que a posição farisaica representava um caminho equilibrado. Eles afirmavam que a alma continua viva após a morte, mas não como um ser autônomo que alcança sua realização definitiva fora do corpo. A alma, para os fariseus, era preservada por um tempo até o momento da ressurreição escatológica, em que o corpo seria restaurado e a pessoa, como um todo, voltaria a viver diante do ETERNO. Esse entendimento guarda fidelidade às Escrituras hebraicas e mantém distância segura dos conceitos gregos de imortalidade da alma.
Em suma, os fariseus criam na continuidade da vida após a morte, mas a sua crença não deve ser confundida com a imortalidade da alma nos moldes do platonismo. Para eles (fariseus), a alma não era um espírito eterno e livre que habitava um corpo temporário. Era parte de um ser completo que seria plenamente restaurado na ressurreição dos mortos. Assim, quando lemos os relatos de Flávio Josefo, precisamos sempre considerar o contexto e a intenção de sua escrita, para não projetarmos sobre os fariseus conceitos que são estranhos à tradição judaica e que foram introduzidos posteriormente, principalmente por meio do pensamento grego.
Seja iluminado!!!
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