Ad Code

Responsive Advertisement

Por que Davi era desprezado em sua mocidade?

Por: Cleiton Gomes


"Salva-me, ó ETERNO, pois as águas me ameaçam; estou cansado de clamar, seca está a minha garganta... Mais numerosos que os cabelos da minha cabeça são os que me odeiam sem causa... Tornei-me um estranho para meus irmãos, um estrangeiro para os filhos de minha mãe... Puseram fel por minha comida e na minha sede me deram a beber vinagre" (Salmos 69).


Esse salmo, carregado de angústia e abandono, revela a voz de uma alma atormentada. Não se trata de um pecador comum, mas do próprio rei Davi, servo justo, escolhido pelo ETERNO, que ainda assim experimentou o desprezo, a solidão e a rejeição profunda desde sua juventude. O texto apresenta um homem cercado por adversários, marcado por falsas acusações, escárnio público e ausência total de consolo.


Davi não era um estrangeiro em Israel, tampouco um desconhecido em sua família. Era filho de Yishai (Jessé), um dos homens mais ilustres de sua geração. Ainda assim, esse filho mais novo foi tratado como um intruso dentro da própria casa. "Tornei-me um estranho para meus irmãos", declara ele. Não se sentava à mesma mesa dos demais filhos, era enviado sozinho para pastorear rebanhos em campos perigosos (1 Samuel 17:34), e sofria calado a humilhação que o acompanhou por quase três décadas.


A pergunta inevitável é: por que Davi era alvo de tamanho desprezo? O que teria levado seus irmãos, e outros a zombarem dele? Qual foi a raiz de tamanha ignomínia? Por que nem mesmo sua família o reconhecia como filho legítimo?

Segundo uma antiga tradição, Yishai (Jessé), um homem respeitado entre os anciãos de Belém, vivia com o peso de uma dúvida íntima e angustiante. Essa dúvida estava ligada à sua própria ancestralidade, mais precisamente à figura de Rute, a moabita convertida que havia se tornado bisavó de Davi (Rute 4:13-17). A tradição reconhece que a conversão verdadeira confere ao convertido o mesmo status espiritual e legal de um israelita natural. Por isso, todos os descendentes de Rute com Boaz eram, diante do ETERNO, israelitas legítimos, não apenas por adoção, mas por natureza.

Apesar de Rute ter feito uma conversão sincera e ser plenamente aceita pelo povo de Israel, Jessé passou a se questionar se ele mesmo era um israelita legítimo por nascimento, ou apenas um convertido. Esse conflito surgiu da ambiguidade interpretativa de Deuteronômio 23:3, onde é dito que “nenhum moabita poderá entrar na congregação de Israel”. Embora os sábios posteriormente tenham ensinado que esse versículo se referia apenas aos homens moabitas e não às mulheres (como Rute), Jessé ainda assim foi tomado por escrúpulos espirituais e por um profundo desejo de pureza diante do ETERNO. Com isso, começou a evitar relações com sua esposa Nitzevet (também chamada Natzavat), uma israelita piedosa da tribo de Judá, cujo nome é citado no Talmud Babilônico (Bava Batra 91a) como mãe biológica de Davi. Os filhos de Yishai estavam cientes dessa separação.


Tomado por esse pensamento, Jessé se afastou de Nitzevet, abstendo-se de manter relações com ela. Como a poligamia ainda era comum naquele tempo, ele decidiu unir-se a uma serva cananita convertida. Segundo ele, era mais coerente que alguém como ele, com dúvidas sobre sua origem, formasse uma nova união com outra convertida. No entanto, a serva em questão era amiga íntima de Nitzevet e sabia do profundo desejo que sua senhora tinha de gerar outro filho. Comovida, decidiu ajudá-la. Inspiradas pela antiga história em que Jacó, sem saber, passou a noite com Lia em vez de Raquel, as duas mulheres traçaram um plano. Na noite em que Jessé buscou a serva, ela trocou secretamente de lugar com Nitzevet. Sem perceber a substituição, Jessé se deitou com sua verdadeira esposa naquela noite silenciosa.


Passado algum tempo, Nitzevet começou a demonstrar sinais de gravidez. Mas, como Jessé não sabia do que havia ocorrido, concluiu que ela o havia traído. Seus filhos também adotaram esse julgamento e passaram a desprezá-la, considerando-a culpada de adultério, crime que poderia ser punido com a morte. Ainda assim, Jessé poupou Nitzevet e decidiu criar o filho que ela teria, mas com uma condição: o menino não seria tratado como um filho legítimo, mas como o menor da casa, alguém com função de servo, sempre inferiorizado pelos irmãos.


Nitzevet guardou o segredo da verdadeira paternidade de Davi por muitos anos. Nem mesmo seu filho soube da verdade. E a serva, em lealdade à sua amiga, também permaneceu em silêncio. Davi cresceu acreditando ser fruto de um pecado vergonhoso. Por isso declarou em seus salmos: “Em iniquidade fui formado e em pecado me concebeu a minha mãe” (Salmos 51:5). No entanto, sua mãe sabia que ele era um verdadeiro israelita, ainda que essa verdade estivesse oculta dele.


O tempo passou, até que o ETERNO interveio. Ele ordenou ao profeta Samuel que fosse até a casa de Jessé para ungir um novo rei sobre Israel (1 Samuel 16:1). Quando Samuel chegou, pediu a Jessé que trouxesse seus jovens. Todos os filhos tidos como legítimos foram apresentados, exceto Davi. O profeta olhou para cada um deles e, ao tentar escolher com base na aparência, foi advertido pelo ETERNO. Nenhum daqueles homens era o escolhido. Então Samuel perguntou: “Estes são todos os jovens desta casa?” A resposta foi que havia um, o menor, que estava no campo, cuidando das ovelhas.


Note que, ao chegar à casa de Jessé, o profeta Samuel recebeu instruções claras do ETERNO: “Enche o teu vaso com azeite e vem, enviar-te-ei a Jessé, o belemita, porque dentre os seus filhos me tenho provido de um rei” (1 Samuel 16:1). A ordem era objetiva: o escolhido deveria ser um dos filhos de Jessé.


No entanto, quando Samuel pede para ver todos os “jovens” da casa, Davi sequer é incluído no grupo. Essa escolha de palavras não é acidental. Ao usar a expressão “são estes todos os jovens?”, e não “todos os teus filhos?”, o profeta reconhecia que havia ali uma diferença implícita na forma como Davi era tratado pela família. Ele não era contado como filho.


Mas quando Davi foi finalmente trazido à presença do profeta, o ETERNO declarou: “Levanta-te e unge-o, porque é este mesmo” (1 Samuel 16:12). Ao ouvir isso, Samuel não apenas confirmou quem era o escolhido, mas também pôde deduzir que Davi era, de fato, filho biológico de Jessé. Afinal, o ETERNO não poderia ter se contradito ao dizer anteriormente que o rei viria de entre seus filhos.


Daquele momento em diante, o segredo silenciosamente guardado por Nitzevet começava a se desfazer. A revelação do ETERNO por meio do profeta validava não apenas o chamado de Davi, mas também sua origem. Imagine agora: pai e filho vivendo tão próximos, mas como verdadeiros desconhecidos. No ato da unção, a verdade velada se impôs. Ainda que ninguém a tenha confessado em palavras naquele instante, o silêncio da dúvida deu lugar à certeza do propósito divino.


Tudo indica que, após esse evento, o segredo foi revelado à família. Isso pode ser percebido pela mudança de postura de Jessé em relação a Davi. Em 1 Samuel 16:19-23, o texto mostra Jessé tratando Davi como seu filho de maneira pública e honrosa. Esse reconhecimento também se alinha com Rute 4:17, onde Davi é identificado como descendente legítimo da linhagem messiânica, sendo descendente autêntico da tribo de Judá.


Essa narrativa, profundamente tocante, está registrada em fontes judaicas como o site Chabad (veja AQUI), que retrata a força, dignidade e silêncio de Nitzevet diante da rejeição, bem como na obra “Judaísmo e Messianismo” (Publicado em 2020, págs. 250 a 264), onde é possível vislumbrar mais detalhes dessa cena marcante da história de Israel.


Que este estudo sirva de inspiração à sua busca sincera pela verdade e pela restauração da dignidade que o ETERNO concede aos que perseveram em justiça.





Seja iluminado!!!






Postar um comentário

0 Comentários

Ad Code

Responsive Advertisement