Por Cleiton Gomes
O relato de Gênesis 19:29-36 narra um episódio que, à primeira vista, causa estranhamento e repulsa ao leitor moderno. A narrativa bíblica mostra que a primogênita de Ló acreditava não haver mais homem “na terra” com quem pudessem se casar “segundo o costume de toda a terra”. Essa expressão, no entanto, não deve ser entendida de forma literal, como se ela realmente pensasse que toda a humanidade havia sido destruída. Uma leitura cuidadosa do contexto revela que a frase expressa uma percepção limitada e desesperada, fruto das circunstâncias imediatas, e não uma constatação objetiva.
Primeiramente, é importante notar que Ló e suas filhas sabiam que Abraão e outros povos continuavam existindo. Ló havia vivido entre eles e conhecia a realidade para além de Sodoma. Contudo, após a destruição violenta das cidades da campina, encontravam-se isolados em uma caverna, afastados de qualquer convivência social e cercados por territórios hostis. Esse isolamento produzia a sensação de que não havia nenhum homem acessível para casamento segundo os costumes familiares e culturais que seguiam.
Além disso, o cenário ao redor era marcado por guerras entre reinos, como descrito em Gênesis 14. As cidades-estado eram violentas, e mulheres sem proteção corriam grande risco de serem capturadas, violentadas ou escravizadas. Aproximar-se de outros grupos significava colocar a vida em perigo. Por isso, “não há homem na terra” pode ser entendido como “não há homem seguro e digno para nos tomar como esposas”.
O texto bíblico também evidencia que a motivação não foi desejo sexual pelo pai, mas a busca por garantir descendência dentro de um vínculo de confiança, ainda que a estratégia fosse equivocada e moralmente reprovável. Na visão delas, Ló era a única figura masculina confiável, o que as levou a embebedá-lo para que não oferecesse resistência. Assim, essa frase deve ser interpretada como reflexo de uma visão distorcida pelo trauma, pelo medo e pelo isolamento, e não como declaração literal de que não restava ninguém vivo.
Sob a perspectiva atual, especialmente no contexto ocidental, tal ato é moralmente inadmissível. Contudo, é necessário lembrar que o episódio ocorreu mais de quatro mil anos atrás, antes da entrega da Torá no Sinai. Naquele período, não havia mandamentos explícitos que proibissem relações sexuais entre parentes próximos, e uniões dentro da própria parentela eram comuns, como no caso de tios e sobrinhas ou primos entre si. Somente com a revelação da Torá a Moisés tais uniões passaram a ser claramente proibidas, estabelecendo o incesto como prática ilícita diante do ETERNO.
Portanto, o ato narrado não pode ser julgado segundo os parâmetros legais que só seriam dados séculos depois. Ainda assim, isso não significa que houvesse aprovação moral plena. O fato de as filhas terem embebedado o pai demonstra que sabiam que ele não consentiria em sã consciência.
É essencial enfatizar que este episódio não serve de base para justificar relações incestuosas. Com a entrega da Torá, o incesto foi explicitamente condenado (Levítico 18:6-18), e tal proibição permanece vigente como princípio moral e espiritual. O caso de Ló e suas filhas é um registro histórico específico, não uma permissão divina válida para todas as épocas. Hoje, qualquer relação dessa natureza é pecado e afronta aos mandamentos do ETERNO.
Das relações ocorridas naquela caverna nasceram Moabe e Ben-Ami, ancestrais dos moabitas e amonitas. Séculos depois, Rute, moabita, entrou para a linhagem de Davi, e desta veio a promessa messiânica cumprida em Yeshua. Isso mostra que, embora o ato em si fosse moralmente questionável, o ETERNO conduziu Seu propósito redentor apesar da falha humana, e não por causa dela.
Assim, o relato bíblico não autoriza nem normaliza tais práticas. Pelo contrário, à luz da revelação posterior, serve como testemunho de que o ETERNO estabelece tempos e leis, e que, em Sua justiça, determinou limites claros para preservar a pureza e a santidade das relações familiares.
Seja iluminado!!!

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