A escravatura no contexto bíblico hebraico deve ser compreendida como uma instituição social regulada pelo ETERNO, distante do modelo de exploração desumana que muitos imaginam. É importante saber que, a servidão funcionava como um mecanismo de proteção social em épocas de dificuldade econômica, permitindo que famílias endividadas evitassem a miséria absoluta (Êxodo 21:1–6). Esse sistema era cercado de garantias legais que protegiam a dignidade humana.
No hebraico bíblico, o termo mais comum para “escravo” é עֶבֶד (ebed), que também pode ser traduzido como “servo” ou “serviçal”. Sua raiz (עָבַד, abad) significa “trabalhar”, revelando que a condição do ebed era antes um vínculo servil de trabalho do que mero objeto de propriedade. Além do ebed israelita, o vocábulo נָכְרִי (nokri) aparece para designar “estrangeiro” ou “servo estrangeiro”, enquanto שִׁפְחָה (shipchah) refere-se à “escrava” ou “serva” do sexo feminino.
As pessoas se tornavam ebedim (servos) por três principais razões:
Endividamento: Quando um israelita não conseguia pagar suas dívidas, vendia provisoriamente sua força de trabalho para quitação (Êxodo 21:2). Durante esse período o credor tinha o dever de garantir moradia, alimentação e condições de trabalho dignas. Ao chegar o shemitá todas as dívidas pessoais eram canceladas e o ebed recuperava sua liberdade, ainda que pudesse optar por permanecer por vontade própria.
Pobreza extrema: Em épocas de seca, praga ou colheitas insuficientes, famílias à beira da fome ofereciam um membro da casa como ebed para assegurar sustento e proteção. Essa servidão durava até a melhora das condições econômicas e não se estendia além do ciclo de shemitá, que restaurava a liberdade e reconduzia o ebed à vida comunitária (Levítico 25:39–40).
Captura em conflitos: Prisioneiros de guerra eram integrados como ebedim, mas não se tornavam mercadoria sem direitos. As normas do ETERNO proibiam a venda destes para outros estrangeiros e exigiam tratamento humano. Mulheres capturadas tinham período de luto antes de servirem e todos podiam, após certo tempo, reivindicar proteção legal ou liberdade caso fossem lesionados (Deuteronômio 21:10–14; Êxodo 21:26–27).
As condições exigidas para a servidão incluíam a entrega voluntária diante de duas testemunhas e do sacerdote (Êxodo 21:5–6), garantindo formalidade e registro público. Diferente do sistema de escravidão permanente de outras culturas, o vínculo do ebed cessava automaticamente no shemitá, salvo se o servo optasse por permanecer por vocação, ato que também ocorria de forma ritualizada diante do sacerdote. O shemitá (שְׁמִטָּה) era o ano de liberação previsto a cada sete anos. Quando todas as dívidas pessoais eram canceladas, os ebedim eram tornados livres (Deuteronômio 15:1–2).
Na Escritura, lemos que a orelha do ebed era furada (Êxodo 21:5–6). Alguém poderia sugerir que isso era violência extrema, como marcar a orelha de um boi com ferro em brasa, mas tratava-se de um pequeno furo feito com um instrumento pontiagudo, algo muito semelhante ao que conhecemos hoje como “furar a orelha para usar brinco”. Na prática, o furo devia ser único, discreto e rápido, sem infligir dor desnecessária nem dano permanente além do pequeno orifício. Para a cultura hebraica o lóbulo da orelha era área apropriada para esse tipo de sinal, uma marca que não impedia as funções cotidianas e que podia ser adornada com metal, dependendo do costume local.
O propósito por trás desse rito era duplo: primeiro confirmar publicamente a decisão do servo, evitando ambiguidades sobre sua condição; segundo, proteger o servo de eventuais abusos, pois uma vez marcado, qualquer tentativa de vendê-lo a outro senhor ou de obrigá-lo a sair daquele vínculo seria irregular, já que o procedimento só valia em relação ao senhor a quem ele se vinculou. Sua orelha era marcada em sinal de que pertencia àquele lar (Êxodo 21:6).
No Tanach, há diversas normas que asseguram esse caráter humanizado. Em Levítico 19:34 o mandamento de “amar como a si mesmo” alcança tanto o estrangeiro quanto o servo, reforçando o respeito mútuo. Além disso, Êxodo 21:20–21 estabelece punições severas para quem lesionasse o escravo, demonstrando o valor que o ETERNO atribui à vida e à integridade do próximo.
O ensino de Yeshua e dos apóstolos reflete essa visão. Yeshua não apoia a escravidão e proclama a libertação dos oprimidos (Lucas 4:18), ensinando que a verdadeira grandeza está no serviço humilde (Marcos 10:44–45). Os apóstolos reforçaram essa perspectiva. Paulo instruiu escravos e senhores a tratarem‑se com justiça e temor do ETERNO, lembrando que todos são servos de um mesmo Senhor nos céus (Efésios 6:5–9; Colossenses 3:22–4:1). Assim, o ideal do Reino foca na igualdade espiritual e na reversão das hierarquias opressoras.
Em síntese, as leis de servidão israelita não se baseavam em crueldade, e ao unir as normas do Tanach aos ensinamentos de Yeshua e dos apóstolos fica claro que esse sistema era protetivo, temporário e alicerçado na dignidade humana.
Seja iluminado!!!
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