Uma das dificuldades mais recorrentes ao se estudar as genealogias de Yeshua nos evangelhos é a aparente contradição quanto ao nome do pai de José. Em Mateus 1:16, lemos que José é filho de Jacó. Já em Lucas 3:23, ele é chamado de filho de Eli. Como pode um mesmo homem ter dois pais? À primeira vista, isso parece uma contradição. No entanto, quando analisamos cuidadosamente o texto original e o contexto cultural judaico, percebemos que essa dúvida pode ser resolvida de forma coerente.
A chave para compreender essa questão está no idioma aramaico, língua amplamente falada entre os judeus do século I. No texto aramaico de Mateus 1:16 aparece a palavra “gavrah” (ܓ݁ܰܒ݂ܪܳܗ), que significa literalmente "homem" ou "marido". Contudo, no uso idiomático típico das línguas semíticas, esse termo pode indicar também o pai de alguém, especialmente dentro de um contexto genealógico. O mais interessante é que, apenas alguns versículos depois, em Mateus 1:19, o autor utiliza outra palavra para descrever o relacionamento conjugal de Maria com José. Neste caso, ele usa o termo "baal", que indica de maneira clara e inequívoca o sentido de "marido". O uso de dois termos diferentes em um mesmo contexto narrativo imediato sugere que há uma distinção intencional feita pelo autor.
A palavra "gavrah", dependendo do contexto, pode significar "homem", "marido" ou até "pai". Em Mateus 7:9, por exemplo, ela pode ser entendida como "pai", já que se trata da figura que dá pão ao filho. Em outros textos, como Mateus 7:24, 7:26, 8:9 e 9:9, o mesmo termo aparece com o sentido de "homem". Já em Mateus 21:28, lemos que "um homem tinha dois filhos", o que indica que gavrah pode sim carregar a ideia de genitor, conforme o contexto.
O versículo que mais gera discussão é justamente Mateus 1:16, onde "gavrah" aparece com o sufixo possessivo feminino, formando a expressão "seu gavrah", ou seja, "o seu homem". Tradicionalmente, isso tem sido traduzido como "marido de Maria". Porém, esse entendimento pode ser questionado. O motivo é que genealogias, por sua natureza, traçam a linhagem biológica ou legal, e não cônjuges. A função de uma genealogia é traçar a linhagem, e não estabelecer relações matrimoniais.
A leitura mais coerente com o estilo e propósito do texto seria compreender "gavrah" em Mateus 1:16 como "pai", e não como "marido". Já nos versículos 18 e 19, quando o contexto passa a tratar dos acontecimentos do nascimento de Yeshua e da relação conjugal entre Maria e José, o autor emprega "baal", que é o termo mais apropriado para descrever o esposo.
Dessa forma, compreendemos que o José mencionado em Mateus 1:16 não é o esposo de Maria, mas sim seu pai. O texto, portanto, está tratando da genealogia de Maria, e não da de seu esposo. Isso explica por que o pai desse José se chama Jacó. Já o José mencionado em Lucas 3:23 é o marido de Maria, descrito ali como filho de Eli. Lucas apresenta a linhagem paterna de Yeshua, enquanto Mateus registra a linhagem materna. Assim, não há dois pais para um único José, mas sim dois homens diferentes com o mesmo nome. Com isso, fica claro que Jacó era o avô materno de Yeshua, e Eli o avô paterno. Isso também explica por que os nomes listados nas genealogias de Mateus e Lucas são tão diferentes nas últimas gerações. Cada evangelista está apresentando uma linhagem distinta. Tanto Maria quanto José descendem de Davi, porém por linhas diferentes.
Na tradição judaica, é comum encontrar repetições de nomes dentro de uma mesma família, especialmente nomes de significado forte ou associados a tribos específicas. O nome "José" era bastante comum entre os descendentes de Efraim, por isso sua repetição em diferentes gerações não causa nenhuma surpresa. Além disso, a ideia de que as genealogias dos evangelhos estariam em contradição ignora um aspecto importante da cultura judaica: a possibilidade legítima de uma pessoa possuir mais de uma genealogia reconhecida. Isso incluía a genealogia biológica, a legal (por adoção ou casamento levirato) e até mesmo a materna, especialmente quando envolvia comprovação de vínculos tribais.
Dessa forma, ao apresentarem genealogias diferentes, os evangelistas estão na verdade revelando duas perspectivas complementares da linhagem de Yeshua. O propósito é mostrar que ele está plenamente inserido na descendência de Davi. Essa abordagem cumpre plenamente os requisitos das profecias messiânicas.
Portanto, ao invés de uma contradição, o que encontramos é um cuidado intencional e detalhado por parte dos evangelistas. Ambos demonstram, com profundidade e precisão, a legitimidade de Yeshua como descendente de Davi, apresentando sua linhagem de maneira completa e irrefutável. A análise atenta do texto, do idioma original e da tradição judaica elimina qualquer conflito aparente e revela uma harmonia surpreendente entre os relatos.
Seja iluminado!!!
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