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A ordem de Melquisedeque e o sacerdócio de Yeshua

Por Cleiton Gomes


A Escritura estabelece com clareza que o sacerdócio terreno, vinculado ao serviço do Tabernáculo e do Templo, foi conferido exclusivamente aos filhos de Levi, enquanto os sacerdotes, descendentes de Arão, oficiavam os sacrifícios (cf. Números 18:1-7). Essa delimitação tribal e genealógica assegurava que apenas os levitas realizassem os serviços sagrados, zelassem pelos utensílios do santuário e servissem como mediadores entre o povo e o ETERNO. Contudo, ainda que essa estrutura fosse sagrada, ela nunca foi apresentada como absoluta ou eterna. Seu propósito era funcional e temporário, servindo como resposta à necessidade de separar o povo da idolatria após sua saída do Egito. 

Nesse contexto, o grande filósofo judeu Maimônides observou que, se os israelitas não oferecessem sacrifícios ao verdadeiro ETERNO, acabariam por continuar sacrificando a outros deuses (Guia dos Perplexos III:32). O objetivo, portanto, não era eternizar os rituais, mas redirecionar a prática sacrificial para um culto monoteísta, como forma pedagógica de conduzir Israel ao verdadeiro conhecimento do ETERNO. O sacerdócio levítico, com todos os seus rituais, tinha valor enquanto ferramenta educativa e provisória. Ele respondia a uma necessidade histórica, não a um ideal eterno. O plano maior apontava para algo mais elevado: um serviço puro, baseado em justiça, verdade e reverência. É nesse pano de fundo que surge a figura de Melquisedeque.

Antes mesmo da instituição do sacerdócio levítico, já existia uma figura sacerdotal que transcendia as divisões tribais. Trata-se de Melquisedeque, cuja aparição em Gênesis 14 é repentina e carregada de significado. Ele surge quando Abraão retorna vitorioso da batalha contra os reis e é recebido por esse misterioso personagem, que lhe oferece pão e vinho e o abençoa em nome do Altíssimo.
A tradição judaica reconhece a identidade desse sacerdote. O Talmud Bavli, em Nedarim 32b, afirma de forma clara que Melquisedeque é Shem, filho de Noé. O texto diz: "Melquisedeque é Shem, filho de Noach (Noé)." (...) E adiante, na mesma seção: "E Melquisedeque, rei de Shalem, trouxe pão e vinho" (Gênesis 14:18) — “Este era Shem, filho de Noach." Esse entendimento é reafirmado no Midrash Bereshit Rabbah 46:7, bem como nos targumim, especialmente o Targum Yonatan, que também identifica Melquisedeque com Shem.

A literatura mística judaica segue essa mesma linha. O Zohar descreve Melquisedeque como aquele que carrega a luz da justiça, afirmando: “Melquisedeque, rei de Shalem, é Shem, que permaneceu com a bênção de seu pai Noach, e foi designado para abençoar os justos e ensinar o caminho da verdade.” Como sobrevivente do dilúvio e herdeiro da bênção patriarcal, Shem era visto como mestre e sacerdote das nações. Não há qualquer registro nas fontes judaicas que associe Shem à idolatria. Ao contrário, ele é considerado um transmissor da emuná (fé), fiel ao ETERNO, e sua figura sacerdotal é aceita como legítima e monoteísta. Nesse sentido, Melquisedeque representa um modelo de serviço ao ETERNO anterior ao Sinai, anterior à tribo de Levi e anterior às fronteiras nacionais.

Esse mesmo entendimento é encontrado entre os essênios. O manuscrito 11Q13 de Qumran, também chamado de 11QMelchizedek, apresenta Melquisedeque como um agente escatológico. O texto diz: “Este é o tempo do favor de Melquisedeque. Ele julgará os santos de Elohim [...] e anunciará a libertação para eles” (11Q13, col. II). Nessa tradição, Melquisedeque é visto como sacerdote celestial, incumbido de proclamar o Yom Kipur (“Dia do Perdão”) final aos eleitos e de anunciar libertação aos oprimidos. Sua missão não se limita ao serviço no Templo físico, mas alcança dimensões proféticas. O significado de seu nome, "Rei de Justiça", somado ao título "Rei de Shalem", ou seja, "Rei de Paz", o vincula diretamente às promessas messiânicas, como as que lemos em Isaías 9.

Diante disso, torna-se evidente que a literatura judaica não o considera um pagão ou uma figura obscura. Pelo contrário, o identifica com Shem, filho de Noé, reconhecendo-o como um pilar espiritual da humanidade pós-diluviana. Ele é visto como sacerdote justo, devoto ao ETERNO e ligado a um tipo de sacerdócio anterior ao de Levi. É nesse contexto que o Salmo 110 declara: “Tu és sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque.” Essa passagem, considerada messiânica dentro do judaísmo, inclusive no Talmud e nos midrashim, aponta para o surgimento de um sacerdote vinculado à linhagem real de Davi, mas cuja autoridade sacerdotal não deriva da tribo de Levi, e sim de uma ordem superior e eterna. Trata-se de uma mudança de paradigma. O Messias não apenas traria justiça e governo, mas também paz e reconciliação espiritual.

O autor da carta aos Hebreus conhecia bem essas tradições e escreveu para leitores que também estavam familiarizados com elas. Por isso, ele interpreta as Escrituras de forma midráshica, ou seja, procurando significados mais profundos além da leitura literal. Ao conectar Gênesis 14 com o Salmo 110, ele destaca que Melquisedeque surge na narrativa bíblica sem nenhuma genealogia registrada, sem pai, sem mãe, sem linhagem sacerdotal. Isso é incomum, pois, na tradição bíblica, todo sacerdote precisava provar sua descendência, como vemos em Esdras 2:62.

Esse silêncio da Torá sobre a origem de Melquisedeque não é por acaso. Ao não registrar sua genealogia, o texto indica a existência de um modelo sacerdotal que não se apoia em linhagem levítica ou herança familiar. Essa ausência intencional revela um sacerdócio de natureza distinta, baseado não na carne, mas em autoridade concedida diretamente pelo ETERNO. Por isso, Melquisedeque se torna uma figura simbólica do Messias. Yeshua, sendo da tribo de Judá, não se enquadra nos critérios levíticos, mas seu chamado sacerdotal não depende disso. Assim como Melquisedeque, ele exerce seu ministério por nomeação divina, não por descendência. Sua atuação não se dá em um santuário físico, mas no santuário celestial, do qual o terrestre era apenas uma representação (Êxodo 25:40 e Hebreus 8:5).

Assim, o argumento não é que Yeshua contrariou aos mandamentos ao exercer função sacerdotal sendo da tribo de Judá, mas que sua atuação está enraizada em uma ordem sacerdotal distinta e mais antiga, reconhecida pela própria Escritura. Um sacerdócio baseado na “virtude da vida incorruptível” (Hebreus 7:16). Ele não institui uma nova religião, mas restaura o sacerdócio original, celestial e perene, como afirma Hebreus 7:24. O autor não fala de “abolição da lei”, mas de transferência específica dentro do aspecto legal do sacerdócio. A palavra grega usada, metathesis (μετάθεσις), não indica anulação, mas realinhamento. A Torá previa isso: Salmo 110:4 já anunciava um novo tipo de sacerdote.

Diferente dos sacerdotes levitas, que eram muitos por causa da morte, Yeshua vive eternamente. Diferente dos sacrifícios repetidos, ele se ofereceu uma só vez. Diferente das limitações humanas, ele é sem pecado. Por isso, seu sacrifício é puro e suficiente. Não depende do sangue de animais, mas de sua própria entrega voluntária, feita com justiça perfeita.

Em resumo, o sacerdócio segundo Melquisedeque não é uma ideia tardia nem uma doutrina nova. É a recuperação do plano original, um sacerdócio universal, eterno, justo e pacífico. Em Yeshua, esse sacerdócio se manifesta de forma plena. Ele é o Sumo Sacerdote celeste, Rei de Justiça e Intercessor perfeito. Não segundo os critérios humanos, mas conforme o desígnio celestial.



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