O capítulo 11 de Apocalipse representa uma das passagens mais enigmáticas e ao mesmo tempo reveladoras de toda a literatura profética. Nele, as duas testemunhas emergem como símbolos centrais em um cenário de profundo embate espiritual, sendo associadas a oliveiras e castiçais. Essas figuras, longe de representar indivíduos literais, apontam para realidades espirituais que revelam o testemunho fiel do ETERNO em tempos de colapso moral e institucional. Não devemos ler os textos como um enigma isolado, mas como a culminação de visões já iniciadas no capítulo quatro de Zacarias, e no livro de Daniel.
As duas testemunhas são identificadas como “duas oliveiras e dois castiçais” (Ap 11:4).O azeite das oliveiras, no contexto bíblico, era utilizado no santuário para manter acesas as lâmpadas do menorá, símbolo da presença do ETERNO no meio do seu povo. Os castiçais, por sua vez, eram suportes visíveis da luz. Em Apocalipse 1:20, os castiçais são identificados com as comunidades que guardam a palavra do ETERNO. Já em Zacarias 4, as oliveiras estão associadas ao processo de restauração, marcado pela declaração: “Não por força, nem por violência, mas pelo meu Espírito, diz o ETERNO” (Zc 4:6). Assim, as duas testemunhas não são dois indivíduos, são representações simbólicas do testemunho fiel que procede do ETERNO e se manifesta na história por meio de comunidades que preservam sua verdade e anunciam a verdadeira restauração. São expressões do testemunho profético que denuncia a corrupção, restaura a aliança e proclama o Reino, mesmo sob intensa perseguição.
O texto descreve que essas testemunhas possuem autoridade para fechar os céus, transformar águas em sangue e ferir a terra com pragas. Esses atos não indicam poder místico ou pirotécnicos, mas remetem a eventos históricos e proféticos que ilustram o julgamento espiritual sobre a idolatria e a infidelidade. Quando Elias fechou os céus, ele o fez em resposta à corrupção promovida por Acabe.
O sinal de converter águas em sangue remete diretamente à primeira praga do Egito (Êx 7:17–20), quando o Nilo, fonte de vida e orgulho nacional, foi transformado em símbolo de morte. O significado dessa transformação, dentro da simbologia bíblica, revela um princípio teológico profundo: aquilo que aparenta ser fonte de vida pode, na verdade, estar contaminado. Quando as águas são transformadas em sangue, como ocorreu no Egito, a imagem comunica que os sistemas estabelecidos de provisão, segurança e espiritualidade tornaram-se corruptos. O sangue nas águas expõe a morte oculta sob a aparência de normalidade. Aplicado ao contexto das duas testemunhas, esse sinal simboliza a denúncia de que o sistema religioso e político vigente, ainda que pareça prover estabilidade ou sentido espiritual, está, na verdade, envenenando o povo. Ele sustenta a idolatria, encobre a injustiça e promove a opressão com aparência de piedade. A transformação das águas em sangue é, portanto, a revelação pública de uma estrutura que perdeu sua legitimidade diante do ETERNO.
A terra, nesse contexto, representa o sistema organizado de poder, cultura, religião e economia que opera em oposição à verdade revelada. Ferir a terra significa expor a fragilidade dessas estruturas, revelando seu distanciamento da aliança e sua resistência ao ETERNO. As pragas que ferem a terra simbolizam o colapso inevitável das estruturas humanas que resistem ao testemunho da verdade. Portanto, dizer que as testemunhas podem ferir a terra com praga, significa dizer que a ilusão de normalidade sustentada por sistemas políticos e religiosos corruptos, será confrontada e desmascarada pelo verdadeiro testemunho da Torá e do Espírito profético. E por isso, as testemunhas são odiadas e silenciadas temporariamente.
A duração de seu testemunho, 1260 dias, alude a um período de domínio da mentira, já apresentado pelo profeta Daniel como "tempo, tempos e metade de um tempo". Esse período marca o intervalo de perseguição em que os santos do Altíssimo são entregues nas mãos de um poder opressor, um domínio temporário da mentira, onde o sistema profano parece triunfar sobre a santidade.
O pano de fundo de Apocalipse 11 é a profanação do espaço sagrado. O templo é medido, mas somente sua parte interior é preservada, enquanto o átrio é entregue às nações. Isso ecoa a visão de Daniel 8, onde a verdade é lançada por terra, e a função sagrada é usurpada. É nesse cenário que surgem as duas testemunhas, vestidas de pano de saco. No Tanach, o saco é vestimenta de lamento, jejum e denúncia profética. Assim, a vestimenta expressa o caráter profético de denúncia, lamento e chamado ao arrependimento.
Quando o texto afirma que Jerusalém, a cidade onde nosso Senhor foi crucificado, está espiritualmente tomada por desolação, depravação e mentira, como Sodoma e Egito, não está se referindo à sua localização geográfica, mas à condição espiritual de um povo que se afastou da aliança. A linguagem é direta: trata-se de uma denúncia ao coração que deveria ser terra santa, morada da verdade, mas que se tornou solo fértil para o engano. Aquilo que foi chamado para ser luz passou a abrigar trevas. O que foi separado para refletir o ETERNO permitiu-se ser moldado pelas estruturas do mundo. O que era, outrora consagrado, torna-se símbolo de decadência e cativeiro espiritual.
Com a dispersão das tribos entre as nações, o povo de Israel passou a habitar os quatro cantos da terra. Nem todo aquele que vive em Israel está aliançado com o ETERNO, assim como nem todo aquele que vive fora é, de fato, um gentio natural. Há israelitas espalhados entre as nações que ainda guardam no coração os sinais da fidelidade. O que distingue os verdadeiros israelitas não é a geografia, mas a obediência. É nesse sentido que a Escritura declara: “nem todos os que são de Israel são israelitas” (Romanos 9:6). O discernimento espiritual exige enxergar além do local e da linhagem. Por isso, o juízo começa pela casa do ETERNO, não por localização geográfica, mas por responsabilidade espiritual. A identidade de Israel sempre foi determinada pela fidelidade à aliança.
Quando lemos que a Jerusalém de Apocalipse 11 está corrompida, não devemos interpretar isso como uma acusação ao território de Israel em nossos dias, como se fosse uma forma de desviar o foco dos nossos próprios erros. Trata-se de um chamado global à responsabilidade. É um alerta dirigido a todos os que desejam servir ao ETERNO com sinceridade e verdade, para que o altar do seu coração não seja profanado pelas influências externas e a sua consciência não se renda à lógica do mundo e o testemunho não seja apagado pela sedução da Besta.
Nos capítulos seguintes, duas bestas surgem em cena, uma do mar e outra da terra, atuando em conjunto. A besta que sobe do mar simboliza um sistema político-religioso de alcance mundial. O fato de emergir do mar aponta para sua origem entre os povos, já que o mar, segundo Apocalipse 17, representa multidões, línguas e nações.
A besta do abismo, mencionada em Apocalipse 11:7, representa uma força espiritual que atua por meio da idolatria, da distorção da verdade e do controle ideológico disfarçado de fé. Ela não elimina as duas testemunhas com violência física, mas as silencia através de mentiras, discursos sedutores, teologias corrompidas e um falso senso de espiritualidade. É a culminação da apostasia institucionalizada, nascida da infidelidade de um povo que abandonou a aliança e trocou a verdade pela conveniência.
Ao se manifestar, a besta do abismo não executa apenas um ataque contra indivíduos, mas consuma a supressão do testemunho fiel em escala global. As duas testemunhas, que representam o povo eleito comprometido com a Torá e o Espírito profético, são silenciadas não por falta de resistência, mas por estarem cercadas por um sistema que disfarça o engano com aparência de verdade, tornando o erro socialmente aceito e espiritualmente tolerado.
O povo separado, seduzido por esse sistema, abandona sua vocação e, ao fazê-lo, contribui para a morte do próprio testemunho que foi chamado a preservar. A besta do abismo é, portanto, o símbolo máximo do colapso da aliança. Ela nasce da rejeição do conselho dos profetas, do abandono da justiça e da aceitação de uma piedade superficial. É a mesma aliança entre poder imperial e religião corrompida que matou Yeshua, e é essa mesma união que, no fim dos tempos, mata novamente o testemunho fiel representado pelas duas testemunhas.
Em resumo, as duas testemunhas não representam dois homens literais, mas o testemunho coletivo sustentado pelo ETERNO ao longo das gerações. Elas simbolizam comunidades vivas que guardam a Torá, mantêm o testemunho de Yeshua e carregam sobre si a responsabilidade profética de denunciar a apostasia e proclamar o juízo. A besta não é um animal mitológico nem uma criatura pré-histórica, mas a representação simbólica de um sistema onde a mentira se organiza, domina e se impõe como verdade. Ao alcançar seu ponto máximo, a besta suprime o testemunho de um povo que, outrora separado, se acomodou à corrupção em troca de estabilidade ou reconhecimento. Se esse ciclo não fosse interrompido, ninguém escaparia. Por isso se diz que as testemunhas são mortas, mas o ETERNO lhes restitui o espírito de vida.
Sua ressurreição simboliza a restauração pública da verdade, o reavivamento da Torá e a renovação do Espírito profético. A ascensão das testemunhas indica que o ETERNO vindica seu testemunho diante de todos, encerrando uma era e anunciando o juízo sobre as nações. Elas não surgem como novidade no cenário escatológico, mas como manifestação visível de uma fidelidade que sempre existiu, mesmo quando marginalizada. Sua atuação ocorre antes da imposição definitiva da marca da besta, funcionando como o último apelo ao arrependimento antes da plena submissão ao domínio da mentira.
O colapso da besta é inevitável, mas a ressurreição do testemunho depende de um povo que escolha, em meio à escuridão, caminhar pela luz da Torá e do Espírito profético.
Seja Iluminado!!!
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