Por Cleiton Gomes
O texto de Gênesis 3:21 afirma que o ETERNO fez túnicas de peles para Adão e sua mulher e os vestiu. À primeira vista, parece apenas um gesto de cuidado, como se o Criador estivesse cobrindo a nudez de quem havia pecado. No entanto, esse versículo guarda um dos ensinamentos mais profundos de toda a Escritura. Ele mostra que o ETERNO não apenas julgou o homem, mas também o instruiu e o restaurou parcialmente. Nessa breve ação está escondido o início do plano de redenção que atravessa toda a história bíblica.
O versículo em hebraico diz: “וַיַּעַשׂ יְהוָה אֱלֹהִים לְאָדָם וּלְאִשְׁתּוֹ כָּתְנוֹת עוֹר וַיַּלְבִּשֵׁם” (Vaya’as YHWH Elohim leAdam u’leishto kotnot ‘or vayalbishem), que significa “E o ETERNO fez a Adão e à sua mulher túnicas de peles e os vestiu”. A palavra עוֹר (‘or), escrita com a letra ayin, significa literalmente pele, couro, algo tirado de um ser vivo. Não há nenhuma ambiguidade lexical aqui: sempre que a Escritura usa ‘or com áyin, trata-se de algo biológico, tangível, derivado de um ser vivo. Portanto, o sentido literal do texto é claro: o ETERNO produziu uma roupa feita de pele de animal, ainda que o texto não especifique qual animal foi usado.
Até esse ponto da narrativa, não havia menção de morte no relato bíblico. Tudo era vida, ordem e harmonia. A entrada do pecado rompe esse equilíbrio, e o ETERNO realiza o primeiro ato de morte registrado nas Escrituras. Esse não foi um ato cruel, mas pedagógico (uma lição). Adão e Eva haviam tentado cobrir sua vergonha com folhas de figueira, uma solução frágil e ineficaz. O ETERNO substitui essa tentativa humana por uma cobertura duradoura, mostrando que a restauração genuína não vem do esforço humano, mas da provisão divina.
Esse episódio inaugura um princípio espiritual que será desenvolvido em toda a Torá: sem derramamento de sangue não há cobertura para o pecado (cf. Lv 17:11; Hb 9:22). A vida de um ser inocente é usada para cobrir a falta de outro. Não se trata de um ritual pagão ou de um sacrifício religioso formal, mas de uma lição espiritual que o ETERNO mesmo ensina. Ele não ordenou que Adão sacrificasse animais, mas mostrou que o pecado gera morte e que somente Ele pode prover o meio para restaurar o homem.
A escolha da pele, e não de um tecido, tem significado. A pele representa algo que teve de morrer. É uma lembrança constante de que o pecado tem consequências reais. Mais tarde, quando o ETERNO instruir os sacerdotes, ordenará que usem linho, não pele. O linho será símbolo de pureza e proximidade com o divino, enquanto a pele recorda a condição mortal e o afastamento. A diferença entre esses materiais expressa o estado espiritual do homem: no Éden havia comunhão plena; após o pecado, distância e limitação.
O texto acrescenta que o ETERNO não apenas fez as túnicas, mas “os vestiu”. Esse detalhe tem força simbólica. O ETERNO não apenas provê, mas executa o ato. É linguagem paternal e, ao mesmo tempo, sacerdotal. Na Torá, quando um sacerdote é consagrado, alguém com autoridade o veste (cf. Êx 28:41). O ato de vestir simboliza investidura e consagração. Assim, ao cobrir Adão e Eva, o ETERNO os prepara para viver fora do Éden, não como abandonados, mas como portadores de uma marca de Sua misericórdia. É juízo e graça no mesmo gesto.
Antes da queda, o casal estava nu e não se envergonhava, pois pureza interior refletia pureza exterior. Após o pecado, a consciência da culpa despertou. A vergonha bíblica não é apenas pudor físico, mas a percepção espiritual de afastamento do ETERNO. A roupa de pele cobre essa vergonha, não apenas o corpo, mas a culpa. Em Êxodo, o mesmo princípio se repete no Pêssach: o anjo que passou sobre o Egito olhou para o sangue nas portas, não para o interior das casas. Em Gênesis, o ETERNO cobre o corpo; em Êxodo, cobre a casa. Em ambos os casos, a mensagem é a mesma: quando é Ele quem provê a cobertura, ela é eficaz.
A Torá ensina que a vida está no sangue. Quando o ETERNO realiza a morte de um animal em Gênesis 3, Ele revela que a vida de um inocente cobre a vergonha do culpado. Esse é o fundamento de todo o sistema de sacrifícios posteriores. A raiz hebraica de “sacrifício”, קרב (qrb), significa “aproximar”. O objetivo não é a morte, mas a reaproximação. O homem se afastou, e o ETERNO age para restaurar o vínculo.
Mesmo fora do Éden, o homem carrega um lembrete diário de que pode se aproximar novamente do Criador. A veste de pele o acompanhava como testemunho constante: “Estou vestido porque pequei, mas também porque o ETERNO teve misericórdia de mim”. Essa lembrança despertava humildade e gratidão, impedindo o orgulho e nutrindo esperança.
Na tradição judaica, os sábios ensinam que o corpo é a veste da alma. O Midrash Bereshit Rabbah 20:12 observa que a palavra “pele” (‘or) difere de “luz” (or) apenas pela substituição da letra alef pela ayin. Por isso, dizem que antes da queda o homem estava vestido de “luz”, e após o pecado, passou a ser vestido de “pele”. A interpretação é simbólica e não anula o sentido literal, mas o amplia: antes do pecado, o homem refletia a glória do ETERNO; depois, passou a carregar a limitação da carne. A veste de pele, portanto, torna-se um lembrete da perda da glória original.
A roupa de pele é mais do que um abrigo físico. É o símbolo da condição humana após a queda, mas também da misericórdia do ETERNO. Representa juízo e graça, perda e restauração. Marca a transição entre a comunhão direta e a relação mediada. A partir desse momento, véus, cortinas e sacrifícios se tornariam necessários para que o homem pudesse novamente se aproximar do sagrado, até que a pureza original fosse restaurada.
O homem havia pecado e merecia morrer, mas outro ser morreu em seu lugar. Nesse ato está o princípio da substituição que percorre toda a Escritura. Cada cordeiro de Pêssach, cada oferta de expiação e cada rito sacerdotal têm suas raízes nesse primeiro gesto de misericórdia no Éden. Quando o texto afirma que o ETERNO “os vestiu”, revela também uma atitude de submissão: Adão e Eva permitiram ser vestidos, abandonando suas frágeis folhas de figueira. Essa aceitação é o início da redenção, reconhecer o erro e acolher a provisão divina.
As peles de Gênesis 3:21 carregam, portanto, dois sentidos inseparáveis. No plano literal, foram vestes reais feitas de pele animal, um sinal visível de cuidado e sobrevivência. No plano simbólico, representam a troca da luz espiritual pela densidade da carne, a perda da glória pela mortalidade. O homem passa a carregar no próprio corpo a lembrança de que o pecado tem consequências, mas também a prova de que a graça do ETERNO é maior do que a vergonha.
Em resumo, o ato do ETERNO em vestir o homem inaugura o plano da redenção. Nele estão unidos juízo e compaixão, morte e vida. A morte do inocente revela a seriedade do pecado, mas também anuncia a esperança da restauração. A veste de pele é o primeiro sinal da graça na história humana e o prenúncio de tudo que viria: o cordeiro de Pêssach, o altar, as vestes sacerdotais e, por fim, a restauração final, quando a humanidade voltará a ser revestida da luz perdida no Éden.
Seja iluminado!!!
0 Comentários
Deixe o seu comentário