Por Cleiton Gomes
O Natal, da forma como é praticado hoje, é tratado por muitos como se fosse uma celebração instituída pela própria Escritura. Ele é visto como algo santo, legítimo e indiscutivelmente bíblico. No entanto, quando a Bíblia é lida com atenção, sem pressupostos religiosos previamente estabelecidos, essa ideia começa a se desfazer. Não é necessário recorrer a análises históricas extensas nem a debates técnicos complexos para constatar isso. Basta observar com cuidado o que o texto bíblico afirma e, de maneira igualmente significativa, o que ele não afirma. Quando a Escritura é deixada falar por si mesma, torna-se evidente que o Natal não encontra nela o fundamento que muitos imaginam.
A Bíblia jamais ordena a celebração do nascimento de Yeshua, e esse dado, por si só, já deveria provocar uma reflexão séria. Nenhum profeta anunciou antecipadamente uma festividade ligada ao seu nascimento, nenhum salmista fez menção a tal comemoração, nenhum discípulo deixou registro dessa prática, e não há qualquer indício de que os primeiros seguidores do Messias tenham celebrado esse evento de forma litúrgica. A Escritura não fornece instruções, modelos ou exemplos que sustentem a ideia de uma celebração anual dedicada ao nascimento do Messias. Nesse ponto, o silêncio bíblico é inequívoco.
Quando o ETERNO estabelece tempos sagrados, Ele o faz de maneira antecipada, intencional e organizada. A Torá apresenta um calendário litúrgico previamente definido, com datas, propósitos e significados espirituais claros. Embora o nascimento do Messias ainda não tivesse ocorrido no momento em que a Torá foi entregue, o ETERNO já conhecia plenamente esse evento, assim como antecipou inúmeras profecias messiânicas sobre sua vinda, sua missão, seu sofrimento e sua exaltação. Ainda assim, nenhuma dessas profecias aponta para a instituição de uma festa anual dedicada ao seu nascimento.
Se o Natal fosse um tempo litúrgico obrigatório para todas as gerações, ele não teria surgido de forma tardia e improvisada séculos depois. Tal celebração teria sido anunciada previamente, à semelhança dos demais tempos sagrados, e incorporada ao calendário estabelecido pelo próprio ETERNO. O silêncio das Escrituras nesse aspecto não representa uma lacuna acidental, mas indica de forma clara que o nascimento do Messias, embora central para a redenção, nunca foi concebido como uma festa religiosa a ser celebrada anualmente.
A tentativa de fixar o nascimento de Yeshua em 25 de dezembro entra em choque direto com o texto bíblico quando este é lido à luz de seu contexto natural. Dezembro corresponde a um período de inverno mais rigoroso na Judeia, marcado por frio intenso e chuvas frequentes. Nessa estação, os pastores não mantinham seus rebanhos nos campos, especialmente durante a noite, pois os animais eram recolhidos aos apriscos para proteção.
O relato de Lucas, ao afirmar que havia pastores no campo vigiando seus rebanhos à noite (Lucas 2:8), aponta para um cenário substancialmente distinto. Ele indica um período de clima mais estável, em que as atividades agrícolas ainda estavam em curso e os rebanhos permaneciam ao ar livre sem risco. Esse detalhe, por si só, afasta dezembro como possibilidade e direciona o leitor para o início do outono, entre o final de setembro e o começo de outubro.
Esse período do ano, para além de se harmonizar com o contexto climático e pastoral descrito por Lucas, também se encaixa de forma natural no calendário das festas bíblicas. Ao longo das Escrituras, os tempos estabelecidos pelo ETERNO não surgem de maneira aleatória, mas funcionam como marcos históricos e, ao mesmo tempo, como sinais proféticos.
Diversos acontecimentos centrais da missão do Messias alinham-se com precisão a esses tempos determinados. Em Pessach, Ele é identificado como o Cordeiro. Em Shavuot, ocorre o derramamento do Espírito, marcando um novo momento na vida de seus discípulos. Em Yom Kippur, sua obra expiatória ganha sentido pleno no perdão dos pecados.
Dentro desse padrão consistente observado nas Escrituras, não é inadequado nem interpretativamente forçado considerar que o nascimento de Yeshua também esteja relacionado a um dos tempos estabelecidos no calendário bíblico. Quando esse padrão é analisado à luz do contexto climático e do período do ano indicado pelo texto, torna-se plausível situar o nascimento do Messias durante a Festa de Sucot. Esse era o tempo em que o povo celebrava o fato de o ETERNO habitar no meio deles. Nesse contexto, a afirmação de que o Messias tabernaculou entre nós (João 1:14) harmoniza-se de forma natural com o significado da festa, sem exigir construções artificiais ou leituras impostas ao texto bíblico.
O próprio evangelho de Lucas oferece ainda um segundo eixo cronológico que reforça essa leitura ao mencionar que Zacarias, pai de João, exercia o sacerdócio segundo a ordem de Abias. O sistema sacerdotal descrito em 1 Crônicas 24 não dependia de calendários civis greco-romanos nem sofria interferência de ajustes políticos ou administrativos impostos por impérios estrangeiros. Tratava-se de uma organização interna do culto israelita, preservada pela tradição judaica, com turnos rigorosamente definidos, sucessivos e repetidos anualmente. Cada uma das vinte e quatro ordens sacerdotais servia por um período específico, seguindo uma sequência estável que atravessou gerações.
A ordem de Abias ocupava a oitava posição nessa sequência. Quando esse dado é considerado dentro do funcionamento regular do templo, levando em conta o calendário religioso judaico, o período de serviço de Zacarias situa-se na primavera. Lucas afirma que, após concluir seu turno, Zacarias retornou para casa e, então, Isabel concebeu. A narrativa é contínua e não apresenta lacunas que permitam deslocamentos arbitrários no tempo.
O mesmo autor informa que a concepção de Yeshua ocorreu cerca de seis meses depois, quando o anjo visitou Maria (Lucas 1:36). A contagem natural desse intervalo conduz à conclusão de que João nasceu na primavera e que o nascimento do Messias ocorreu no final do verão ou no início do outono. No hemisfério norte, onde se localiza a Judeia, o inverno vai de dezembro a março, a primavera de março a junho, o verão de junho a setembro e o outono de setembro a dezembro. Assim, situar o nascimento de Yeshua no final do verão ou início do outono corresponde a um período entre o fim de setembro e o início de outubro, em consonância com a Festa de Sucot.
Qualquer tentativa de deslocar essa cronologia para dezembro exige rearranjos externos ao texto, hipóteses especulativas ou a desconsideração do funcionamento histórico do sacerdócio judaico.
Esse enquadramento temporal harmoniza-se ainda com um elemento linguístico fundamental do relato do nascimento. Lucas afirma que o menino foi colocado em uma “manjedoura”, mas, quando o texto é analisado a partir da Peshitta aramaica, a palavra utilizada é ܐܘܪܝܐ, transliterada como uriyā. Trata-se de um substantivo comum, no estado enfático, cujo campo semântico descreve um local simples de acomodação.
O texto bíblico não define um edifício, não descreve um estábulo fechado, não menciona animais ao redor, não aponta para um curral europeu nem para um ambiente rural moldado pela imaginação ocidental posterior. Tampouco associa esse local ao inverno, ao abrigo de rebanhos ou a condições climáticas severas.
A leitura tradicional que imagina um estábulo, animais cercando a cena e um cenário tipicamente medieval não se origina da gramática aramaica nem da narrativa bíblica. Ela resulta de suposições acumuladas ao longo dos séculos, reforçadas por traduções condicionadas, representações artísticas e catequese popular.
Quando o termo uriyā é lido em seu contexto linguístico e cultural, mostra-se plenamente compatível com um ambiente simples e provisório, possivelmente ligado à prática judaica de estruturas temporárias, especialmente em um período como o de Sucot. Nada no texto obriga o leitor a aceitar a imagem clássica do presépio, e tudo indica que essa imagem foi construída fora da Escritura.
Dessa forma, ao alinhar o testemunho cronológico de Lucas sobre Zacarias e a ordem de Abias com a análise linguística do termo aramaico uriyā, o cenário tradicional do Natal perde sua sustentação textual. Ele não se desfaz por negação dogmática, mas por ausência de base bíblica. O que permanece é um relato coerente com o calendário judaico, com o contexto cultural do período do Segundo Templo e com a linguagem original do texto. Diante disso, a narrativa natalina, tal como é conhecida hoje, não se mantém como um dado revelado, mas se dissipa como uma construção tardia, erguida sobre suposições que o próprio texto jamais afirmou.
Quando a Escritura não estabelece determinada prática e, ainda assim, ela passa a ser repetida, defendida e tratada como sagrada, torna-se legítimo e necessário questionar sua origem. A Bíblia não deixa indefinidos os elementos centrais da vida religiosa, e aquilo que não é instituído como mandamento, memorial ou tempo santo jamais é apresentado como algo facultativamente aceitável.
Jeremias 10 expõe com clareza o processo pelo qual costumes religiosos são assimilados das nações, incorporados pela repetição e legitimados apenas pelo fato de se tornarem socialmente comuns. O profeta não os reconhece como expressões autênticas de fé, mas como práticas estranhas à instrução do ETERNO. O problema, portanto, não reside no elemento material em si, mas na incorporação de símbolos e ritos que não procedem da revelação, ainda que sejam recobertos por linguagem piedosa.
Esse princípio percorre toda a narrativa bíblica. Sempre que o povo tentou combinar fidelidade com práticas externas, o resultado foi reprovação. A Escritura não apresenta tolerância ao sincretismo, nem legitima a intenção como critério de aceitação. Ofertas estranhas, festas improvisadas e calendários criados para conveniência humana sempre foram tratados como desvios, não como expressões alternativas de fé. A obediência jamais foi substituída pela criatividade religiosa.
Os primeiros discípulos de Yeshua permaneceram inseridos nesse mesmo horizonte. Frequentavam o templo, guardavam o shabat e viviam segundo o calendário bíblico. Não há qualquer vestígio de celebrações ligadas ao nascimento do Messias, nem ritos anuais associados a datas específicas. Essa prática só aparece quando a fé passa a ser reorganizada para dialogar com o mundo gentílico, absorvendo costumes já consolidados culturalmente. A Escritura não descreve esse movimento como adaptação pedagógica, mas como distanciamento do padrão original.
Há, portanto, uma contradição clara. Invoca-se o nome de Yeshua para legitimar uma celebração que não encontra respaldo em sua vida, em seus ensinamentos nem na prática de seus primeiros seguidores. Ele não instituiu novas festas, não ressignificou ritos alheios e não desviou o foco do calendário estabelecido pelo ETERNO. Celebrar aquilo que Ele nunca celebrou, da maneira que jamais ensinou e por meio de símbolos que a Escritura não aprovou não acrescenta honra, apenas gera confusão e distorce o sentido da fé que Ele próprio viveu e transmitiu.
Essa constatação não nasce de confronto ou de intenção de ataque, mas de um compromisso sincero com a coerência do próprio texto bíblico. A verdade revelada não depende de adornos religiosos para se manter relevante ou significativa. O nascimento do Messias ocupa lugar central na história da redenção, mas jamais foi apresentado pelas Escrituras como um evento litúrgico a ser repetido anualmente. A ênfase bíblica sempre esteve na escuta atenta, na obediência prática e no caminhar fiel segundo os caminhos revelados desde o princípio. Tudo o que ultrapassa esse limite, ainda que esteticamente atraente, pertence a construções posteriores e não à revelação bíblica.
Seja Iluminado!!!
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