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Entendendo o divórcio

Por Cleiton Gomes 


Falar sobre o divórcio sempre desperta controvérsias, pois mexe com valores profundamente enraizados na tradição religiosa. Por séculos, uma leitura superficial da Escritura levou muitos a acreditar que o divórcio é algo odiado pelo ETERNO e, portanto, um pecado em qualquer circunstância. Essa interpretação, entretanto, não resiste a uma análise mais cuidadosa do texto bíblico em hebraico e do contexto histórico.

Em Deuteronômio 24:1 encontramos a primeira regulamentação do divórcio: “quando um homem tomar uma mulher e se casar com ela, então será que, se não achar graça em seus olhos, por nela encontrar coisa indecente, far-lhe-á uma carta de divórcio (כְּרִיתוּת – kerithuth), e lha dará na sua mão, e a despedirá de sua casa”. O termo kerithuth é inequívoco: trata-se de um divórcio legal e reconhecido, acompanhado de documentação escrita. Esse documento tinha caráter jurídico, formalizando a dissolução do vínculo e libertando a mulher para se casar novamente (vide, Dicionário Strong: H3748).

A carta de divórcio funcionava como prova de que o casamento havia sido encerrado de maneira legítima, de modo que nem o homem nem a mulher estariam em adultério caso buscassem outro relacionamento. Portanto, o divórcio legal tinha a função de proteger a dignidade da mulher e de evitar que ela fosse deixada em estado de incerteza, impedida de seguir a vida.


Essa regulamentação contrasta com a prática do repúdio, que aparece nas Escrituras pelo termo hebraico שָׁלַח (shalach), literalmente “mandar embora”. O repúdio consistia no ato de um homem simplesmente expulsar sua esposa de casa, sem entregar-lhe a carta de divórcio. Essa prática era extremamente injusta, porque, diante da sociedade e da lei, a mulher ainda era considerada casada.

Se ela buscasse outro homem, seria vista como adúltera; se permanecesse sozinha, ficaria desamparada, sem direitos e sem segurança econômica. O ETERNO, por meio do profeta Malaquias (2:16), declara seu ódio a essa prática, porque o repúdio transformava a mulher em vítima de abandono e humilhação.

O repúdio era cometido de forma unilateral, sempre pelo marido. A estrutura patriarcal do Israel antigo concedia ao homem autoridade legal sobre a dissolução do casamento. A mulher, por sua vez, não tinha o mesmo poder de iniciativa. Se desejasse separar-se, dependia de recorrer aos tribunais ou a líderes comunitários que pudessem interceder, mas dificilmente tinha o direito direto de redigir uma carta de divórcio. Esse desequilíbrio refletia o contexto social da época, no qual a mulher estava juridicamente sob a tutela do pai e, depois do casamento, sob a do marido. Por isso, o mandamento de fornecer uma carta de divórcio em caso de separação era uma medida de justiça voltada justamente à proteção da esposa.

É isso mesmo que você está pensando, o texto de Malaquias 2:16 não afirma que o ETERNO abomina o divórcio, mas sim o repúdio. Isso não significa que a Escritura apresente o divórcio como algo desejável ou incentivado. O ideal divino sempre foi que homem e mulher vivessem em harmonia, cultivando uma união duradoura e plena de respeito, conforme declara o apóstolo Pedro (1 Pedro 3:1-7).

Contudo, a realidade humana está marcada pela dureza de coração. Nem todos conseguem preservar a paz conjugal por toda a vida, e muitas uniões acabam sendo corrompidas por infidelidade, violência, abusos e até crimes mais graves. O problema, portanto, não está no princípio da aliança matrimonial, mas no coração humano que, dominado pelo mal, rompe com a fidelidade e destrói aquilo que deveria ser espaço de amor e cuidado.

Ao lermos a declaração de Yeshua nos evangelhos em grego, percebemos uma distinção terminológica fundamental: apolýō e apostásion. O termo apostásion (ἀποστάσιον), traduzido como “carta de divórcio”, corresponde ao hebraico כְּרִיתוּת (kerithuth) e designa o divórcio legal, formalizado por documento escrito, que garantia à mulher o direito de refazer sua vida sem ser acusada de adultério.

Já o termo apolýō (ἀπολύω), traduzido como “repudiar”, corresponde ao hebraico שָׁלַח (shalach), que significa simplesmente “mandar embora”. Essa distinção mostra que o problema não era o divórcio legal previsto pelo mandamento, mas o abuso do repúdio, que deixava a mulher em uma condição de abandono sem libertação jurídica.

Quando observamos as palavras de Yeshua, percebemos que seu alvo principal não era o divórcio legal, mas a prática distorcida do repúdio. Fontes judaicas, como o Talmud (Gittin 90a), registram que a escola farisaica de Hillel interpretava a expressão “por nela encontrar coisa indecente” (Dt 24:1) de forma ampla, permitindo o divórcio por quase qualquer razão, inclusive trivialidades como queimar uma refeição durante o preparo.

Já a escola farisaica de Shammai, em contrapartida, restringia o divórcio apenas a casos de adultério. Fica evidente, portanto, que o divórcio era um dos assuntos mais debatidos no judaísmo do primeiro século, marcado por divergências entre as escolas rabínicas na forma de compreender o mandamento.

Em Mateus 19:7-9, os fariseus desafiam Yeshua com a seguinte questão: “Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio (apostásion) e repudiá-la (apolýō)?”. O simples fato de lançarem essa pergunta já revela a armadilha. Eles queriam que Yeshua se posicionasse em um dos lados. Se se inclinasse para Hillel, seria acusado de ser liberal demais; se adotasse a posição de Shammai, seria tachado de severo e inflexível.

Para não cair na armadilha, Yeshua maneja com sabedoria suas palavras e recorre a Gênesis 2:24 para reafirmar que o ideal da criação é a unidade e a fidelidade entre homem e mulher, em contraste com a realidade corrompida de sua época. Ao mesmo tempo, deixa claro que, em casos de porneia (πορνεία), termo que abrange todas as relações sexuais ilícitas descritas em Levítico 18, a dissolução do casamento não apenas é legítima, mas necessária para preservar a santidade da aliança.

Assim, denuncia a banalização do matrimônio e expõe o equívoco de transformar o divórcio (que deveria servir como recurso de justiça e proteção) em instrumento de egoísmo, usado para justificar separações por motivos banais ou para manter mulheres presas a vínculos que já não existiam na prática.

O ensino de Paulo em 1 Coríntios 7 deve ser compreendido como continuação da mesma linha adotada por Yeshua. O apóstolo, escrevendo a uma comunidade formada por judeus e gentios, constroi seu argumento pautado no real princípio do mandamento e aplica às situações concretas do matrimônio. Ele começa reafirmando o ideal de serem “uma só carne” (1Co 7:10), mostrando que o casamento permanente é o plano divino.

Entretanto, reconhece que a realidade humana nem sempre corresponde a esse ideal. Por isso, admite que a separação pode ocorrer. Se ainda houver possibilidade de restauração, o melhor caminho é a reconciliação (1Co 7:11). Mas quando a aliança é quebrada por imoralidade ou abandono, a dissolução do vínculo torna-se legítima. Ele deixa claro que ninguém deve permanecer preso a um relacionamento destrutivo (1Co 7:15).


Ainda sobre Paulo, em Romanos 7:2-3 ele afirma que a mulher está vinculada ao marido enquanto ele vive, mas que, em caso de morte, fica livre do matrimônio e pode contrair nova união. Esse exemplo não deve ser lido como uma regra de aprisionamento, mas como uma constatação jurídica óbvia: em um casamento saudável, a morte encerra naturalmente o vínculo.

Paulo não está ensinando que, diante de relações abusivas ou manchadas pela imoralidade, a mulher estaria condenada a permanecer com o marido até sua morte, privada do direito ao divórcio. Ele nunca defendeu o aprisionamento em uniões insustentáveis, mas via o casamento como aliança santa, cujo rompimento só é legítimo diante de quebras graves que ferem a dignidade e a paz.

Em suma, a Escritura não apresenta o divórcio como ideal, tampouco como maldição inevitável, mas como recurso de justiça diante da dureza do coração humano. Seu propósito é proteger os vulneráveis e impedir abusos. Yeshua denunciou a manipulação religiosa que transformava esse mandamento em pretexto para injustiças, e Paulo aplicou o mesmo princípio ao contexto das comunidades do primeiro século.

O ideal permanece sendo a unidade, mas quando a fidelidade é rompida por infidelidade, violência ou abandono, a dissolução do vínculo não significa rebeldia contra o ETERNO, mas preservação da dignidade e da paz que Ele deseja para seus filhos.



Seja iluminado!!!





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9 Comentários

  1. Nossa que texto esclarecedor! Muito obrigada por contribuir com ensinos! Shalom

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    1. Agradeço pelo comentário, Shirley. Estamos sempre buscando trazer uma compreensão clara e simples para todos os leitores. Continue navegando na página e encontrará outras diversas explicações sobre muitos assuntos. Se quiser, também pode solicitar a explicação de algum tema que você tenha dúvida.

      Abraço!

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  2. Meu Deus! Como esse texto abriu minha mente, "repudio e divórcio"
    Bem simples é muito bem esclarecido.
    Parabéns Cleiton!

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    1. Muito obrigado! Que o Senhor te abençoe! Compartilha o link desse estudo com seus amigos 😉

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  3. Parabéns muito esclarecedor grande ajuda realmente

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  4. Respostas
    1. Obrigado pela visita nesta página. Continue explorando ela.

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  5. Muito esclarecedor seu comentário sobre o divórcio.
    Conhecemos pessoas divorciadas que não se casaram, comedor de pecar.
    Um grande abraço.

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