A frase “de graça recebestes, de graça dai” (Mateus 10:8) tem sido frequentemente utilizada como argumento contra qualquer forma de retorno financeiro no serviço religioso. Inclusive, muitos pensam que quaisquer trabalhos acadêmicos, frutos de estudos extensos, devam ser oferecidos gratuitamente. Porém, uma análise séria e honesta do contexto em que Yeshua disse essas palavras revela que Ele não estava tratando de livros, rolos, sustento de mestres ou estruturas de ensino, mas sim do envio missionário dos discípulos, com autoridade para curar enfermos, expulsar demônios e ressuscitar mortos.
O contexto é de milagre, não de produção intelectual ou trabalho técnico. Yeshua estava instruindo seus discípulos a não comercializarem os sinais do Reino, a não transformarem os atos sobrenaturais em moeda de troca ou fonte de lucro. Ou seja, não era para se cobrar por curas ou libertações, práticas que eram vistas com espanto e como demonstração direta do favor do ETERNO. O chamado ali era: não façam do milagre um negócio.
O equívoco começa quando se tenta aplicar essa instrução a todos os tipos de serviço dentro da fé. A Escritura sempre valorizou o trabalho e o esforço humano. Escribas, copistas, mestres e até músicos que atuavam no Templo eram sustentados por ofertas e contribuições. Nenhum desses serviços era considerado indigno ou mercenário por ser remunerado. A questão sempre foi a integridade de quem exerce o ofício, não a existência de recompensa por seu trabalho.
O próprio apóstolo Paulo, que muitas vezes se apresentou como exemplo de abnegação, também ensinou que aqueles que se dedicam à proclamação da Palavra devem viver dela. Em 1 Coríntios 9:14, ele escreve: “Assim ordenou também o Senhor: que os que anunciam o evangelho vivam do evangelho.” Isso não é comércio da fé, é reconhecimento da necessidade prática de quem investe sua vida na obra.
Paulo fundou comunidades, escreveu cartas profundas, enfrentou perseguições e percorreu grandes distâncias. Em tudo isso, foi sustentado por irmãos que reconheceram o valor de seu trabalho, como os filipenses e outros que contribuíram com generosidade ao longo de sua missão (Filipenses 4:15-17; 2 Coríntios 11:8-9). Ele mesmo observou que outros apóstolos também recebiam ajuda, e que isso era justo (1 Coríntios 9:5-12). Isso não era mercantilismo, era organização.
É nesse ponto que muitos revelam incoerência. Criticam escritores, pesquisadores, mestres e outros que se dedicam à edificação espiritual com seriedade, investindo tempo, saúde, recursos financeiros, noites mal dormidas, ferramentas e até campanhas para que o conteúdo alcance mais pessoas. Querem tudo de graça quando se trata de ensino sólido e transformador, mas não demonstram o mesmo rigor ao investir em outras áreas.
Muitos pagam com naturalidade por shows gospel, congressos, produtos de entretenimento ou experiências musicais, o que em si não é condenável, mas se mostram resistentes quando o assunto é apoiar quem ensina com profundidade. Exigem que o ensino seja gratuito, mas não oferecem nada em troca, nem mesmo gratidão. Esperam que outros sustentem sozinhos aquilo que eles próprios consomem, mas não estão dispostos a valorizar.
Outro equívoco comum é associar a fala de Yeshua em Mateus 10:8 com o episódio em que Ele expulsa os cambistas do Templo, como se estivesse condenando qualquer tipo de comércio relacionado à fé. No entanto, essa associação ignora o contexto histórico e religioso daquela cena. A presença de vendedores e cambistas no pátio do Templo não era uma invenção ilícita, mas parte de uma logística necessária para os peregrinos que vinham de longe nas grandes festas, como Pessach. Trazer animais para sacrifício em longas viagens era impraticável, por isso o sistema permitia a compra no local.
O que Yeshua denuncia não é a estrutura em si, mas a desonestidade: preços abusivos, os enganos nas balanças, favorecimento institucional, corrupção generalizada. Sua denúncia é contra a profanação do espaço sagrado e a exploração da fé alheia, não contra a organização prática que facilitava o culto.
Portanto, usar esse episódio para condenar qualquer forma de trabalho remunerado relacionado à fé é uma distorção do ensino de Yeshua. O que Ele combateu foi a comercialização desonesta do sagrado, a ganância disfarçada de zelo, não o sustento legítimo de quem investe tempo, estudo e dedicação para ensinar. O problema nunca foi o pagamento pelo serviço, mas o lucro injusto à custa da boa-fé dos que buscavam se aproximar do ETERNO.
Em suma, Yeshua nunca disse que ninguém deveria receber pelo que faz. O que Ele ensinou é que os milagres não devem ser usados como fonte de lucro. E isso é muito diferente de afirmar que todo esforço voltado à formação espiritual alheia deve ser sustentado unicamente pelo sacrifício silencioso de quem trabalha. Honrar o trabalhador é um princípio da Torá e da justiça.
E se alguém ainda insiste em usar Mateus 10:8 como justificativa para exigir gratuidade, então que também abrace o restante da instrução e viva como os discípulos foram enviados: sem mala, sem duas túnicas, sem salário, dependendo exclusivamente da hospitalidade alheia. Se não está disposto a viver assim, também não tem o direito de cobrar esse peso sobre os ombros de quem serve com dedicação.
Seja iluminado!!!
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