Por Cleiton Gomes
A primeira ocorrência do termo “cristãos” aparece em Atos 11:26, Antioquia da Síria. No primeiro século, era a terceira maior cidade do Império Romano, depois de Roma e Alexandria, com uma população estimada entre 200 e 500 mil habitantes. Era um centro multicultural, com forte presença grega, romana e judaica, o que explica por que se tornou um ponto estratégico para a expansão da mensagem de Yeshua aos gentios.
Se considerarmos o ano 33 d.C. como o início do ministério apostólico e situarmos o surgimento do termo “cristãos” em Antioquia entre os anos 42 e 44 d.C., temos um intervalo aproximado de 9 a 11 anos entre esses eventos. Isso significa que os primeiros cristãos apareceram em momento posterior ao estabelecimento inicial da comunidade de discípulos. Fica claro, portanto, que a comunidade primitiva não nasceu sob o título de “cristãos”, tal como concebido nos séculos posteriores.
Os registros do primeiro século mostram que os discípulos de Yeshua eram conhecidos como “os do Caminho” e identificados como integrantes da “Seita dos Nazarenos” (נְצָרִים, netsarim), um título que refletia seu enraizamento nas promessas proféticas e seu compromisso com a observância da Torá. O termo netsarim tem raízes anteriores ao primeiro século, ligado ao verbo hebraico נָצַר (natsar), que significa “guardar” ou “vigiar”, usado no Tanach para descrever o zelo em preservar os mandamentos e a aliança (Dt 33:9; Sl 25:10; Pv 4:4).
Os netsarim foram os primeiros seguidores de Yeshua, identificados como uma seita judaica que permanecia fiel à Torá e às boas tradições de Israel, rejeitando, contudo, as tradições humanas destituídas de fundamento bíblico (Tito 1:14; Cl 2:8), conforme o próprio Yeshua ensinou em Marcos 7:6-8.
Antes de tornar-se discípulo, Paulo perseguiu de forma intensa esse grupo, obtendo autorização para prender homens e mulheres que seguiam o Caminho (Atos 9:2; 22:4). Posteriormente, já convertido, ele próprio afirmou pertencer à mesma seita que antes combatia (Atos 24:14). No contexto do primeiro século, o termo “seita” não possuía a conotação negativa que lhe foi atribuída nos períodos posteriores, mas indicava um segmento ou vertente dentro do judaísmo, como a “Seita dos Fariseus” (Atos 15:5) ou a “Seita dos Saduceus” (Atos 5:17). Tal designação transmitia a noção de continuidade e não de ruptura, evidenciando que o movimento nazareno era visto como uma expressão legítima da fé de Israel, preservando sua essência e interpretando-a à luz da obra e do ensino do Messias.
Os primeiros cristãos, como já visto, surgiram em Antioquia entre os anos 42 e 44 d.C., quando alguns discípulos nazarenos, próximos aos apóstolos, se refugiaram naquela região durante a perseguição promovida por Paulo (Atos 11:19-30). Ali, anunciaram a mensagem sobre Yeshua e muitos gentios creram. Ao tomar conhecimento do fato, a liderança dos netsarim enviou Barnabé para averiguar, e ele confirmou a autenticidade da obra. Em seguida, buscou Paulo, e juntos passaram a discipular os novos crentes, estabelecendo uma base sólida de ensino. Esse foi o início de uma convivência harmoniosa entre judeus nazarenos e cristãos gentios, que perdurou por aproximadamente 56 a 58 anos, período em que ambos compartilharam a mesma fé, a mesma doutrina e a mesma base na Torá.
Desde o surgimento dos primeiros cristãos é possível identificar registros que evidenciam a preservação do Shabat, a observância das festas bíblicas e o uso de símbolos judaicos nos locais de culto das comunidades gentílicas, sempre sob orientação dos netsarim.
Essa harmonia, contudo, foi abalada no final do primeiro século. Por volta do ano 100 d.C., as cartas de Inácio de Antioquia marcam o início documentado de um movimento de apostasia entre cristãos gentios. Nelas, percebe-se a rejeição explícita do Shabat, a adoção de uma autoridade eclesiástica centralizada e um afastamento intencional das práticas herdadas do judaísmo nazareno. Essas mudanças não apenas romperam com o modelo de liderança que prevalecera desde os apóstolos, mas também abriram caminho cada vez mais desvinculado das suas raízes hebraicas.
Essa separação marcou uma nova fase na história: formaram-se as bases para o cristianismo gentílico como uma identidade independente e institucionalizada. A partir de então, judeus nazarenos e cristãos gentios passaram a trilhar caminhos distintos. Enquanto os netsarim mantinham-se fiéis à Torá e à interpretação messiânica de Yeshua, grande parte da comunidade gentílica começou a afastar-se das raízes judaicas, rompendo com a liderança nazarena e adotando doutrinas e costumes alheios ao contexto bíblico. Nesse processo, práticas que por décadas haviam sido transmitidas e vividas segundo a observância da Torá foram reinterpretadas ou simplesmente abandonadas.
O distanciamento da Torá e o surgimento de interpretações teológicas desvinculadas do contexto original criaram um cenário propício ao desenvolvimento do antissemitismo religioso, que ao longo dos séculos se tornaram um dos elementos mais trágicos da história eclesiástica. Assim, aquilo que no início do movimento era um testemunho unificado, foi gradualmente substituído por uma estrutura religiosa que passou a ver a herança judaica não como fundamento, mas como algo a ser descartado.
Em suma, compreender esse percurso histórico não é apenas revisitar fatos do passado, mas reconhecer como escolhas e desvios moldaram a fé que chegou até nós. O resgate da perspectiva original permite não apenas corrigir distorções, mas também recuperar a integridade do testemunho que uniu, no primeiro século, judeus e gentios em torno da Torá e do Messias de Israel.
Seja iluminado!!!
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